29 de dezembro de 2025 16:41

Exército não recua: novo projeto reafirma Colégio Militar como “quartel” e reforça noção de autoridade e disciplina até 2030

Imagem de formatura em um colégio militar – crianças marchando. Fonte: Exército Brasileiro

Projeto pedagógico reafirma autoridade como pilar dos colégios militares

O Exército Brasileiro aprovou um novo Projeto Pedagógico do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) para o período de 2026 a 2030, deixando explícito que os colégios militares não são escolas comuns, que são quartéis, organizações militares que funcionam como estabelecimentos de ensino.

“Os CM são organizações militares (OM) que funcionam como Estabelecimentos de Ensino (Estb Ens) de educação básica, com a finalidade de atender à Educação Preparatória e Assistencial”

Portaria nº 1.235 de 11 de dezembro de 2025 do Departamento de Educação e Cultura do Exército, reafirma que autoridade, hierarquia, disciplina e tradição não são elementos acessórios, mas fundamentos estruturais da formação oferecida aos alunos.

Ao atualizar o projeto pedagógico, o Exército Brasileiro, sob o comando do General Tomás Miguel Mine, alinha a educação básica ministrada nos colégios militares ao processo mais amplo de transformação institucional previsto para o período de 2024 a 2039, dentro das diretrizes estratégicas que buscam preparar a Força Terrestre para desafios futuros de natureza tecnológica, operacional e doutrinária.

Captura de tela: Projeto Pedagógico para os Colégios Militares no Brasil

Os colégios militares são organizações militares, quartéis

A definição clara de que os colégios militares são, antes de tudo, organizações militares marca o tom do documento. Embora cumpram a legislação educacional brasileira e ofereçam ensino fundamental e médio, essas instituições operam sob um regime jurídico próprio, distinto do sistema regular de ensino civil. Isso é extremamente relevante e significa que o cotidiano escolar é atravessado por normas, regulamentos e práticas típicas da caserna, com impacto direto sobre a dinâmica pedagógica, disciplinar e administrativa.

Entre os valores centrais reafirmados pelo projeto pedagógico está o princípio da autoridade. A palavra é mencionada 17 vezes, em diversos trechos do documento.

O texto sustenta de forma bastante enfática, como em uma justificativa perante as inúmeras críticas sobre a aplicação de ensino militarizado, que não há grupo humano que subsista sem liderança.

“Reconhecer, respeitar e desenvolver liderança faz parte, também, do processo de ensino e aprendizagem dos alunos…”

Para fundamentar essa concepção, o documento recorre à reflexão da filósofa Hannah Arendt, ao destacar que a educação, por sua própria natureza, não pode abrir mão nem da autoridade nem da tradição. Segundo Arendt, o espaço educacional exige uma relação distinta daquela existente na vida pública entre adultos, justamente porque lida com crianças e jovens que ainda estão sendo introduzidos no mundo comum. O projeto pedagógico adota essa perspectiva para justificar a centralidade da autoridade no ambiente escolar dos colégios militares.

A disciplina aparece como valor complementar e indissociável da autoridade. Ela é definida como obediência às normas, cumprimento do dever e correção de atitudes na vida pessoal e coletiva. Esses princípios atravessam o currículo, os critérios de avaliação, as cerimônias cívico-militares e a própria rotina diária dos alunos, compondo um modelo educacional que prioriza ordem, previsibilidade e hierarquia.

Preparar o Exército para 2040

Embora o projeto pedagógico ressalte que o ensino preparatório não se destina exclusivamente à formação de futuros militares, ele deixa claro que o Sistema Colégio Militar do Brasil está inserido em um projeto de transformação do Exército entre 2024 e 2039. O objetivo declarado é contribuir para a formação de jovens capazes de atender às demandas de um Exército projetado para 2040, marcado por avanços tecnológicos, ciberdefesa, inteligência artificial e novos perfis profissionais.

“a necessidade de adoção de medidas para tornar o EB apto para enfrentar as demandas vislumbradas no cenário operacional futuro, bem como viabilizam o planejamento à luz do Conceito Operacional do Exército Brasileiro (COEB)”.

Nesse sentido, ao despertar vocações militares e alinhar parte de seu currículo às necessidades futuras da Força, os colégios militares acabam funcionando como uma base formadora de recursos humanos estratégicos. Ainda que o discurso oficial enfatize a pluralidade de caminhos possíveis para os alunos, a conexão entre educação básica e projeto institucional de longo prazo é assumida de forma explícita no documento divulgado pela força.

Liberdade de pensamento versus possibilidade de receber punições

Ao afirmar que os colégios militares ajudam a construir as bases do Exército de 2040, o projeto pedagógico pode contrastar com valores amplamente debatidos no campo educacional, como a liberdade de pensamento, a autonomia intelectual e o estímulo ao questionamento crítico. Em um ambiente militarizado, onde professores e gestores são também autoridades militares, dotadas de poder disciplinar e avaliativo, existe o debate sobre o risco de intimidação indireta de alunos que desejem expressar opiniões divergentes ou questionar conteúdos.

O próprio documento reconhece que a educação no SCMB se baseia em hierarquia e disciplina rigorosas. Críticos apontam que, ainda que não haja censura formal, o peso simbólico da autoridade militar e a possibilidade de sanções acadêmicas podem inibir manifestações mais livres de pensamento, especialmente em temas sensíveis ou controversos.

Texto publicado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Paraná menciona que nesse tipo de ambiente “escolar-militarizado” predominaria a uniformização, sem liberdade para o contraditório: “A ampla maioria dos monitores militares que atuam nessas instituições não têm experiência alguma em ambientes educativos. Limitam-se a um conjunto de procedimentos que tentam uniformizar a juventude. Frases como: “Sentido”, “Descansar”, “Apresentar armas”, “Sem cadência” e “Marche” predominam, enquanto reflexões sobre diversidade, pluralidade e entendimento do contraditório são completamente ignoradas”.

A educação em um Colégio Militar é fundamentada nos valores do Exército Brasileiro

Ao final, o novo projeto pedagógico não tenta suavizar a identidade dos colégios militares. Pelo contrário, assume de forma direta que se trata de uma educação baseada nos valores, tradições e necessidades estratégicas do Exército Brasileiro. É um modelo coerente com a missão institucional da Força, mas que permanece no centro de debates sobre os limites entre formação disciplinar, liberdade intelectual e o papel da educação militarizada em uma sociedade democrática e plural.

Ao reforçar que escola e quartel coexistem no mesmo espaço, o Exército deixa claro que aposta na educação básica como parte de seu projeto de futuro um projeto que para a instituição em grande parte se inicia nas salas de aula e projeta seus efeitos para as próximas décadas.

Robson Augusto – Revista Sociedade Militar

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